Como se constrói um golpe político?

O conceito de Golpe de Estado vem sendo, muitas vezes, evocado de forma equivocada ou imprecisa. Mas, afinal, como se constrói um Golpe de político? A proposta desse texto é justamente apresentar esse conceito tão presente nos últimos dias partindo do contexto do IFBA.

DIREITO

Raimundo Fraga

10/7/20237 min ler

Havia uma movimentação atípica nos grupos de WhatsApp e redes sociais com narrativas para tentar convencer os menos esclarecidos ou, os convenientemente convencidos – algumas situações ou condições os impulsionam nesse sentido – de que não houve golpe, que o Conselho aprovou e por conta disso…

Bom, antes de adentar propriamente no tema, é preciso esclarecer o que de fato é um “golpe de Estado” e a partir daí estabelecer uma conexão e comparação com o que aconteceu recentemente no CONSUP.

Um golpe de Estado acontece quando um governo estabelecido por meios democráticos e constitucionais é destituído ou deposto de maneira ilegal. Ou seja, de uma forma que desrespeita os processos democráticos (eleições diretas, por exemplo) e as leis de um país. Não necessariamente um “golpe” acontece com o uso da força, embora na história do Brasil, assim como em outros países, forças militares tenham deixado os seus registros, o que mundialmente se conhece como “Golpe Militar”, a exemplo de: Chile (1973-1990); Argentina (1976-1983); Egito (1952); Portugal (1926-1974); Indonésia (1967-1998)… O uso de forças armadas do próprio país para destituir o poder constituído.

Há várias outras formas de golpe como por exemplo, o uso indevido da Justiça para incriminar pessoas no exercício do poder. É a própria justiça agindo de maneira injusta e ilegal. Este é um dos golpes mais sutis, mas que produz os mesmos resultados, a deposição de um governo democraticamente eleito, por vias que extrapolam as regras de um Estado Democrático de Direito. E um golpe de Estado pode ter apoio da maioria ou da minoria da população de um país. Aliás, o apoio popular é um dos elementos que alimenta os golpes. Os recentes fatos políticos deste País nos servem como exemplos.

Outro tipo de golpe pode acontecer quando o próprio governo se recusa a ceder o seu poder sem qualquer previsão na lei, ou seja, mantém-se no poder mesmo quando deveria ter permitido ou ter realizado novas eleições diretas. Certamente, algum leitor vai associar esse tipo de situação com o acontecimento recente no Instituto. Calma!

Ao contrário do que se possa pensar, um golpe não acontece de uma hora para a outra ou, como se diz, de um dia para o outro. O golpe precisa ser pensado, arquitetado, estudado, analisado, medido, várias vezes tentado até ser consumado, ou não! Um golpe, quase sempre está sustentado em um “projeto de poder”, arquitetura, desenho, estratégias, definição de métodos, etapas, e até com projeção de duração.

Mas, voltando para a nossa situação recente, e essa situação recente só aconteceu por ausência de participação da comunidade do Instituto: docentes, técnicos administrativos e discentes; a apatia política que pode ser causada pela falta de compreensão da política institucional, do distanciamento dos debates e o desinteresse total de como dever ser, de como se deve fazer a gestão do Instituto, pode ter dado origem ao que ocorreu. Isso também pode conduzir a um golpe. Aproveita-se do desinteresse dessa massa populacional, da falta de capacidade de entender o que é a política institucional e os capturam facilmente porque tendem a absorver sem qualquer filtro as narrativas.

O nosso presente, tem um elo no passado. Há quatro anos – não podemos entender o presente e projetar o futuro, sem analisar o passado – com a eleição garantida, esperava-se somente a posse da Reitora eleita e para o grupo político era imperioso também conquistar o SINASEFE. Ganhar a eleição para o SINASEFE fazia parte do projeto de conquistas. Aproveitando-se da apatia política dos servidores técnicos e docentes que eram sindicalizados, a estratégia foi minar as possibilidades da chapa opositora. De que maneira? Difundindo que a outra chapa queria aparelhar o sindicato para fazer oposição à Reitora eleita (há quem tenha esquecido disso?). Quanta audácia! Mas a narrativa emplacou! Fizeram maioria e passaram a dominar também o SINASEFE. A abstenção foi elevada, associada à fuga aos debates políticos, à incapacidade de refletir e entender que sindicato exerce a representação e defesa dos interesses dos trabalhadores e, pela sua natureza, deve estar sempre em posição contrária à gestão que nesta relação representa o patrão que é o Estado. Ao longo desses quatro anos, viu-se um sindicato atuando como uma extensão da gestão do Instituto e nesse episódio que por alguns foi denominado de “golpe no CONSUP”, quem acompanhou as reuniões do Conselho viu/ouviu a efusiva e eloquente defesa que fez a representante do SINASEFE, o que não foi possível quando os interesses dos servidores precisavam ser defendidos, a exemplo das decisões ad referendum pelo retorno ao trabalho presencial durante a pandemia - em todas a cadeira do SINASEFE-IFBA esteve vazia.

No Conselho Superior – CONSUP, para a Presidenta, não foi suficiente ter a maioria (herdada pela insatisfação na gestão anterior), além de permitir a atuação do Primeiro-Cavalheiro como membro do Conselho enquanto regimentalmente foi possível (limite do exercício do mandato), era preciso ter o poder e controle e esse controle era exercido usurpando a competência do Colegiado através da autodesignação das matérias que eram relatadas pela própria Presidenta (vale trazer o significado de USURPAR para que não se construam narrativas infundadas: USURPAR – “apossar-se de ou tomar (algo) pela força ou sem direito; tomar para si; apropriar-se de;…). Como já foi amplamente difundido pelo Informativo Nas Entrelinhas, as matérias relatadas pela Presidenta saiam como se tivessem um carimbo prévio de “APROVADAS”. Cabe repetir o que já foi explorado em um texto anterior: “compete a(o) Presidente(a) do CONSUP designar relatores(as) paras as matérias submetidas à decisão do Conselho (Regimento Interno, Art. 32, XII) e lhes cabe o voto de qualidade (Art. 25, § 2º). O Regimento não prevê, de forma explícita ou implícita, a autodesignação de matérias a serem relatadas”.

A confortabilidade que tinha/tem a Presidenta com o Conselho Superior afastou a preocupação em fazer cumprir o Regimento Interno que, no § 1º, do seu Art. 7º expressa: “§ 1º O mandato dos membros do Conselho Superior é de 02 (dois) anos, admitida uma recondução para mandato subsequente.” Essa recondução se dá mediante realização de eleição com renovação de mandato, quando admitida. Na 1ª Reunião Extraordinária do CONSUP, realizada em 31 de maio de 2023, a Presidenta “precisou” ser cobrada da necessidade urgente de realização da eleição para o CONSUP cujos mandatos dos Conselheiros seriam encerrados no mês de junho seguinte. Ficou evidenciado o imediato desconforto e insatisfação da Presidenta quando cobrada. Foi posto em discussão e votada a prorrogação dos mandatos por 90 dias, conforme Portaria nº 2186 de 21 de junho de 2023. Era o tempo suficiente e necessário para iniciar e concluir o processo eleitoral para as representações de novos mandatos no Conselho Superior, como de fato ocorreu. Mas, não era o que desejava a Presidenta! Aquela primeira derrota não foi bem assimilada, e foi uma derrota porque não conseguiu estender os mandatos dos Conselheiros até o final das eleições para Reitor(a) e Diretores(as) nos campi, como pretendia.

O processo eleitoral para o CONSUP foi iniciado com a publicação da RESOLUÇÃO CONSUP/IFBA Nº 102, DE 04 DE AGOSTO DE 2023, que entrou em vigor na mesma data de sua publicação, por se tratar de “urgência” explicitada no seu Art. 2º: “Art. 2º - Esta Resolução entra em vigor em 04 de agosto de 2023, por se tratar de urgência justificada nos autos do expediente administrativo.” Prevendo que o processo eleitoral para o CONSUP transcorreria sem nenhuma intercorrência, o que parecia não ser bom para a Reitora e Presidenta do Conselho (quero deixar claro que não é uma afirmação e sim uma constatação a partir dos fatos), decorridos 13 dias da publicação da RESOLUÇÃO CONSUP/IFBA Nº 102, a Presidenta submeteu o CONSUP à aprovação de uma nova prorrogação dos mandatos dos Conselheiros até o final das eleições para Reitor(a) e Diretores(as) nos campi, como era sua pretensão e sem justificativa plausível. Não havia razão e motivo para prorrogar os mandatos já prorrogados. Detalhe: ainda faltavam 35 dias para o término do prazo já prorrogado, dos mandatos dos Conselheiros (Portaria nº 2186 de 21 de junho de 2023). O prazo de 90 dias seria encerrado em 21 de setembro passado, quando o processo eleitoral estava concluído, aguardando apenas a homologação do resultado da eleição e a posse dos novos Conselheiros eleitos, em 02 de outubro.

Por osmose, ou seja, sem desgaste, sem debate, sem discussão, a vontade da Presidenta de prorrogar a prorrogação dos mandatos dos Conselheiros até o final das eleições para Reitor(a) e Diretores(as) nos campi, como pretendia desde o seu silêncio na 1ª Reunião Extraordinária, foi referendada pelo Conselho Superior através da RESOLUÇÃO CONSUP/IFBA Nº 108, DE 17 DE AGOSTO DE 2023. Coincidentemente, no dia da publicação do resultado final da eleição para o CONSUP, 14 de setembro de 2023, eis que a Reitora expediu a Portaria nº 3309 de 14 de setembro de 2023 que formalizou a prorrogação da prorrogação do mandato dos Conselheiros como tanto desejara desde o início. Imediatamente, a “suspensão da posse dos eleitos” dominou os grupos de WhatsApp e redes sociais. Não demorou para a comunidade demonstrar a indignação associando a uma situação de “golpe no CONSUP”. A “turma do passa pano” também não deixou barato e passou a defender e argumentar que o CONSUP aprovou e que foi tudo legítimo. A coisa foi tão mal feita que, em alguns, provocou mais risos que preocupações ou indignações. A Resolução CONSUP/IFBA nº 108 prorrogou a prorrogação dos mandatos dos Conselheiros, mas não sustou os efeitos do “ANEXO A – CRONOGRAMA ELEITORAL”, da Resolução CONSUP/IFBA nº 102 e não seria a Portaria nº 3309 de 14 de setembro de 2023 que teria o poder de sustá-los, ainda que ela expressasse “… suspender a posse dos eleitos até…”, por dois motivos: hierarquia das leis e hierarquia dos cargos (Portaria expedida pela Reitora não tem o poder de sustar dispositivo contido em Resolução emanada do CONSUP, ou a própria Resolução). Ainda que essa aberração fosse sustentada no âmbito da administração do Instituto, um Mandado de Segurança, com pedido de liminar, colocaria tudo nos seus devidos lugares. E, para a “turma do passa pano”, que estava argumentando que foi tudo legítimo porque o CONSUP aprovou, fica como ensinamento:

  1. Os golpes políticos também acontecem dentro dos ditames da Lei, basta defender motivos inexistentes e ter apoio de um Colegiado que dê sustentação. O impedimento da Presidenta Dilma é o exemplo mais verdadeiro.

  2. O 8 de janeiro de 2023, à Luz da Lei, foi atentado violento à democracia, “GOLPE”. Para os patriotas que depredaram as sedes dos Três Poderes e apoiadores do inominável, foi defesa da Pátria.

    Contra golpes, não há argumentos!

    Salvador, 07 de outubro de 2023

    Raimundo Fraga

    Assistente em Administração CPPD/Reitoria - IFBA

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